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terça-feira, 17 de setembro de 2013

Epístola de Tiago



Conhecida por suas exortações a respeito da questão prática cristã. Não chama a atenção por sua teologia. Inclusive, alguém já afirmou que a epístola de Tiago “não tem ‘teologia’”. E, realmente, Tiago não enfatiza temas teológicos como fazem alguns outros escritores bíblicos. A citar-se, a epístola não faz menção direta à encarnação, à cruz nem à ressurreição de Jesus. Pode mesmo que não haja menção ao Espírito Santo (discute-se Tg 4.5), poucas são as referências à nova vida em Cristo e à doutrina clara da igreja e poucas citações ao plano da salvação de Deus operado na história. O assunto de Tiago é exortação evidente, e é isso       que se deve buscar, haja vista o propósito indicado por ele em sua epístola quando de sua escrita. Ele não escreve com a finalidade de corrigir problemas doutrinários, mas para incentivar os cristãos a agir de acordo com o que acreditam, a ser “cumpridores da palavra e não somente ouvintes” (1.22). Não se descarte, todavia, que ele revela seus fundamentos teológicos e contribui com percepções distintivas para a teologia cristã.

Fé e Obras: O tópico teológico mais controverso da epístola de Tiago é sua doutrina da fé e obras, em especial, em comparação com os ensinamentos de Paulo de Romanos e Gálatas. Essa questão está explícita em Tiago 2.14-26, mas também vem à tona em outras passagens. Uma das formas que se pode analisar é que, sim, de fato, Tiago possui uma tendência judaizante, ainda que em termos, se perceba que ele da a entender que possui o que aparentemente é um certo “menosprezo” pela Lei mosaica (ao chama-la de “Lei da liberdade” Tg 1.25 e 2.12) em uma referência a superioridade do Sacrifício de Jesus ou então o pacto que o mesmo inaugurou. No entanto, essa perspectiva poderia causar a impressão, o que realmente causa, de que ao defender tal hipótese, na verdade se está desejando reconhecer que um autor “Inspirado” para a escrita do texto sagrado, sem, contudo, reconhecer que sua abordagem igualmente foi “Inspirada”, logo, podendo causar algum impasse também. Ainda por outro lado, podemos ter a visão de que a duas tradições foram construídas mais por fatores exteriores do que interiores em relação às crenças sobre a relação de Tiago com a Lei. Por um lado, não se pode negar que, sim, de fato, Tiago resistiu ao abandono da Lei (no que diz respeito aos judeus, pois, em relação aos gentios seu parecer foi bem claro em At 15), todavia, por outro, como acima citado, ele entendeu a supremacia de Cristo nas passagens que já citamos quando ele fala da Lei da liberdade.
Partindo do pressuposto que acima foi descrito, podemos ainda analisar a epístola de Tiago de outro ângulo, a saber, que de forma alguma tenha o autor tentando confrontar as afirmações paulinas a respeito da salvação e justificação, e, sim, que tenha analisado o lado prático da mesma. Ou seja, Paulo está descrevendo a causa da salvação, enquanto Tiago descreve o efeito da mesma, logo, ambos tratam da mesma questão, todavia, de diferentes aspectos.

A Natureza da Salvação na Epístola de Tiago: Ao se discorrer sobre fé e obras em Tiago, não se pode omitir a natureza da salvação constante em Tiago 2.14. Essa passagem sempre foi quase que de forma universal sempre compreendida em termos de salvação eterna, a saber, libertação da condenação pelo pecado. No entanto, mais recentemente, desenvolveu-se e debateu-se de forma acentuada uma interpretação distinta da passagem. Esse novo prisma entende que a salvação em Tiago é principalmente “a preservação da vida física” e que enfatiza “a vida temporal e a preservação dela”. Hodges argumenta que se pode perceber esse sentido em todas as referências à salvação em Tiago (1.21; 2.14; 4.12; 5.15,20). Ele compara Tiago com os livros de sabedoria do Antigo Testamento (por exemplo, Pv 10.27; 11.19; 12.28; 13.14; 19.16) na apresentação “ao lidar com os efeitos mortais da maldade e os efeitos salvadores de vida da justiça”. A fim de avaliar a percepção da salvação em Tiago de Hodges, deve-se examinar várias linhas de evidência. O uso do Novo Testamento do verbo traduzido por “salvar” em Tiago 2.14 (sõzõ) não é por si mesmo determinante, desde que ele, dependendo do contexto em que ocorre, pode se referir à libertação física ou espiritual. Por exemplo, em Tiago 5.15 usa-se a palavra para cura, ou salvamento, de alguém de doença física pela oração. No entanto, à parte dos contextos em que a doença física, ou perigo natural, estão em vista, às palavras “salvar” e “salvação” no Novo Testamento denotam, de forma predominante, libertação da condenação no inferno, e, conforme se perceberá é a melhor definição de acordo com Tiago 1.21; 2.14;4.12 e 5.20.17. Uma importante evidência a examinar é o significado da frase “salvar a vossa alma/vida” (sosai thn yuchn, sõsai tên psychên) em Tiago 1.21. Visto que essa é a primeira referência à salvação na carta e introduz temas importantes a respeito do assunto. O Novo Testamento conta com mais ou menos doze alusões a “salvar”, ou matar, ou destruir a vida. Em inúmeras passagens a frase denota salvar ou perder a vida física (Mc 3.4; Lc 6.9; nesses contextos a cura está em vista). Contudo, em outros contextos, está em vista à salvação, ou destruição, eterna da alma. Em João 12.25, por exemplo, faz junção explicitamente da permanência da alma com a vida eterna, e Mateus 10.28 adverte que Deus pode destruir tanto a alma quanto o corpo no inferno. Isso fornece a chave para a interpretação da conhecida fala de Jesus sobre salvar ou perder a (yuch) psychê de alguém (Mc 8.35; faz paralelo com Mt 16.25 e Lc 9.24): “Porque qualquer que quiser salvar a sua vida [psychê] perdê-la-á, mas qualquer que perder a sua vida por amor de mim e do evangelho, esse a salvará”. Nessa frase temos a utilização dos dois sentidos (físico e espiritual) na descrição do paradoxo de ser discípulo de Jesus. Segui-lo pode exigir martírio ou sacrifícios menores dos desejos da pessoa culminando no sacrifício supremo. O ser humano sempre briga, em face desse sacrifício, para preservar sua vida física através da negação de Jesus, mas o trágico resultado é a destruição espiritual: condenação pelo pecado. Por sua vez, a pessoa que perde a vida física por causa de Jesus e do evangelho salva sua alma espiritualmente e desfrutará de vida eterna. Essa referência à salvação espiritual aparece também em 1 Pedro 1.9, em que se afirma que “a salvação da alma” é “o fim da vossa fé”, salvação essa alcançada por meio da perseverança em face das provações e identificada, pelo contexto, como “a salvação já prestes para se revelar no último tempo” (1.5). Muitos demonstram que a teologia e as instruções éticas de Tiago são muitíssimo influenciadas pelos ensinamentos de Jesus e que sua escolha de palavras para expressá-las, com frequência, é similar à linguagem dos evangelhos sinóticos, em especial, de Mateus. Então é preferível entender a expressão “salvar a vossa alma”, em Tiago 1.21, como continuidade do sentido das palavras de Jesus de salvação espiritual.
Dessa forma, a promessa de libertação espiritual final persiste em Tiago 1.21 como a incentivadora para a perseverança em obediência à Palavra de Deus, já implantada no coração dos conversos (v. 18). O autor ressalta que nos tornemos cumpridores da Palavra, e não apenas ouvintes dela, pois apenas ouvir a Palavra é enganar a si mesmo e carecer da bênção de Deus (w. 22-25). Na verdade, falhar em viver suas convicções religiosas é claramente enganar a s mesmo, e essa religião não tem o menor valor aos olhos de Deus, por mais que a pessoa possa viver com uma aparência enorme de santidade (v. 26). A religião verdadeira é expressa pela demonstração de misericórdia por aqueles em necessidade e na não contaminação com o sistema do mundo (v. 27).
Ainda na linha de pensamento do capítulo 2, Tiago chama a atenção dos leitores de que a fé em Jesus Cristo e o favoritismo pelo rico e contra o pobre não são compatíveis. Viver o cristianismo requer amor pelo próximo, e não parcialidade. Tiago conclui com a advertência de que o julgamento de Deus será inclemente para com aqueles que não demonstram misericórdia (2.13). Essa afirmação do autor aponta para a advertência de Jesus de que, no julgamento, Deus concederá aos indivíduos o mesmo juízo que eles usaram com os outros (Mt 6.12,14,15; 18.32-35). Os que não perdoam os outros não sentiram, eles mesmos, a grande misericórdia de Deus. Em seguida, no contexto de advertir contra esse julgamento, em Tiago 2.14-26, ele discute o tipo de fé que “salva”. Isso continua o argumento de 1.21 de indicar libertação da condenação eterna pelo pecado. No capítulo 4.12 e 5.20 está em vista a salvação espiritual.

As Obras em Relação à Fé: Qual a ideia que está na mente do autor ao citar as obras que acompanham a fé? (2.14- 26), e qual é a relação delas com a fé? O texto imediato ilustra a natureza das obras como atos de compaixão pelos que estão em necessidade (vv. 15,16). A passagem de Tiago 1.27 já tratou das obras de misericórdia e de bondade como uma das evidências da verdadeira religião, e o capítulo 2.8-13 menciona a lei do amor ao próximo como o algo natural que segue a fé em Cristo (em vez do favoritismo, Tg 2.1.9). Todavia, as obras de amor e de bondade, relevantes como são, não são todas as obras que Tiago tem em mente. As citações de Abraão e Raabe (vv. 21-25) demonstram que também estão em vista atos de obediência a Deus e de comprometimento com Ele. A ilustração também inclui características cristãs fundamentais como domínio próprio, humildade e assim por diante (cf. 1.26; 3.2,13,17,18).
Todavia, conforme já foi citado em tratamento anterior deve-se observar que Tiago entende as tais obras como a expressão, ou resultado exterior, da verdadeira fé e da nova vida em Cristo, e, não o meio para adquirir essa fé. As obras são o fruto que demonstra e naturalmente segue a fé (2.18), são a complementação e realização da fé (vv. 22,23), e constituem o viver a Palavra, já inserida por Deus quando Ele deu o novo nascimento para o cristão (1.18-21).
Essa é a distinção essencial entre as obras que Tiago descreve e as de que Paulo fala em Gálatas e Romanos. Em outras palavras, a distinção é entre obras pós-conversão e anteriores a conversão, conforme anteriormente descrito. Tiago insiste que a verdadeira fé necessariamente produz obras de amor e de obediência, da mesma forma com que Jesus disse que pelo fruto se conhece a árvore (Mt 12.33). Paulo argumenta que nenhuma obra serve como fundamento para conseguir a justiça de Deus nem o favor dEle (G12.16; Rm 3.28; 10.1-8).29 Ainda assim, as duas visões são claramente compatíveis, pois, Paulo também chama ao viver santo como demonstração da verdadeira fé (Rm 6.22; G1 5.6; Ef 2.8-10; Fp 1.11),30 e Tiago, por sua vez, atribui a salvação à iniciativa graciosa de Deus na vida das pessoas, não ao mérito destas (1.17,18; 2.5,12,13).

A Justificação na Epístola de Tiago: Está em desacordo Tiago com Paulo? Vejamos a abordagem do tema na visão dos dois autores: “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei” (Rm 3.28). “Porque, se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar, mas não diante de Deus” (Rm 4.2). “Porventura Abraão, o nosso pai, não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque?” (Tg 2.21). “Vedes, então, que o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé” (Tg 2.24).
Embora pareça difícil conciliar esses versículos, já o fizemos previamente, ao menos de forma parcial, quando no tópico anterior se estabeleceu a concordância (ou pelo menos a distinção de momentos) na visão a respeito da fé e obras. A distinção entre obras antes da conversão versus obras depois da conversão é importante em relação ao assunto, o que também pode demonstrar que talvez haja outras distinções entre os dois autores. Escrevendo em termos retóricos, Paulo nega que as obras exerçam alguma influência no ato primário divino de declarar o pecador justo. Essa justificação é totalmente um dom da graça dEle para todos que creem em Jesus Cristo, à parte das obras (Rm 3.20-26). Tiago chama a atenção que as tais obras são o resultado da fé, obras essas levadas a cabo por aqueles cuja justificação inicial já foi alcançada. Em Tiago 2.21,23 mostra isso na dupla alusão à justificação de Abraão. Ele foi justificado pelas obras ao oferecer Isaque (v. 21), mas esse é o cumprimento da verdade de que Abrão já cria em Deus e de que sua fé é considerada como justiça (v. 23).

A Lei Real e a Lei da Liberdade: Em Tiago 1.25, a descrição da lei como “a lei perfeita da liberdade” revela um padrão característico na forma do autor se referir a essa lei. Nas duas primeiras alusões à lei, ele acrescenta importantes expressões para descrevê-la: “Lei perfeita da liberdade” (Tg 1.25; “lei da liberdade” também em Tg 2.12) e “lei real” (2.8). Isso demonstra que Tiago não estava pensando apenas na lei mosaica. Ele especifica ainda mais, a fim de distinguir essa lei da lei do Antigo Testamento apenas.
Parece que o que Tiago pretende com “perfeita lei da liberdade”, a “lei real” cujo foco é o amor, é que a ética do Antigo Testamento foi ensinada e cumprida por Jesus Cristo. Essa é a leitura do Antigo Testamento sob a luz do ensinamento de Jesus e culminada pela salvação que Ele proporcionou. Desse ponto de vista (e somente assim), a lei pode ser citada como paralelo à mensagem do evangelho, a palavra da verdade pela qual Deus graciosamente concede nova vida (1.17,18,21-25). E a lei da liberdade, por causa dessa conexão, pode ser mencionada como o fundamento pelo qual os cristãos serão julgados (2.11,12). O que eles conhecem da misericórdia de Deus por intermédio de Cristo deve se refletir na forma como tratam os outros (a grande verdade da verdadeira religião, e, por consequência, verdadeira lei).

Nos capítulos 2 e 4, Tiago acrescenta outro ponto relevante sobre a designada lei. Mesmo que contenha diversos mandamentos, conforme tratado por Cristo no Sermão do Monte deve ela ser vista como uma unidade. Violar mesmo que só uma mínima parte dela constitui transgressão, pois ela deve ser vista como uma unidade (2.10,11). A razão para essa unidade é a origem “capacitadora” para realização de todas suas peripécias: a mesma lei que proíbe o adultério, também proíbe matar (2.11). É muito importante que citemos que Tiago não diz que todos os detalhes do ritual da lei do Antigo Testamento devem ser seguidos, mas que a exigência ética de toda a lei de Deus, conforme sintetizada na lei do amor, e ensinada pelos lábios de Cristo para constituir a base da Nova Aliança é que deve ser vivida. Assim, demonstrar parcialidade em relação ao rico e desonrar o pobre é uma violação da lei real (estabelecida pelo Rei). Da mesma forma, cometer calúnia (uma mentira, não entra em questão o julgamento segundo a reta justiça descrito por Cristo em Jo 7.24) contra um irmão é desobedecer à lei do amor e julgar toda a lei (4.11,12).

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