Este assunto
trata a respeito do por que os 66 livros compõem a Bíblia, como ficaram de fora
os chamados livros “ausentes” entre outros importantes temas.
O assunto da
canonicidade é o segundo grande elo da corrente que vem de Deus até nós.
Enquanto, a inspiração é a forma pela qual Deus concedeu a Bíblia sua
autoridade, a canonização é o processo pelo qual a Bíblia recebeu sua aceitação
definitiva. Canonicidade é o estudo que fala sobre o reconhecimento e da
união dos livros que nos foram dados por inspiração de Deus. Uma coisa é o
profeta receber uma mensagem da parte de Deus, no entanto, outra bem diferente é
o povo reconhecer que tal mensagem realmente procede de Deus.
Definição do Termo: A palavra “Cânon” deriva do grego “kanwn” (transliterado fica “Kanôn”), que significa “medida
ou padrão”. E esta palavra grega se origina da palavra hebraica (“qaneh”),
que significa “vara ou cana de medir”. O caule da cana servia para como
material de construção, material de escrita e medida. Esta planta era preparada
como varas de comprimentos específicos. Estas varas eram então usadas para
fazer medições da mesma forma que atualmente usamos réguas ou metros de madeira
ou outro material. A vara de medir mais comum possuía cerca de três metros.
Partindo do significado literal de tais palavras, é que se chega a uma
utilização de um sentido mais amplo das mesmas. Por exemplo, mesmo no período
anterior ao do Cristianismo, a palavra “Cânon” já denotava o sentido de
“padrão, norma”. Já no Novo Testamento esta palavra aparece com o
seu sentido figurado exposto acima, isto é, “padrão, regra de conduta” (Gl 6.
16).
Determinação da Canonicidade: Haja vista, que constantemente somos questionados
pela “razão da esperança que há em nós” (I Pe 3.15; alteração e grifo
meu), é importante sabermos qual é o fator determinante para o reconhecimento
da canonicidade da Bíblia, no entanto, neste processo veremos também algumas
teorias erradas sobre este tema. Iniciemos pelos falsos conceitos: 1 – A
Idade Determina a Canonicidade: Esta teoria não pode se firmar, pois, houve
diversos livros antigos, inclusive citados pela própria Bíblia, que não
entraram no Cânon, por exemplo, o livro dos justos (Js 10.13; João Ferreira de
Almeida, versão RA) e o livro das guerras do Senhor (Nm 21.14). Além disso, não
são poucas as referências que os livros sagrados tenham sido aceitos
imediatamente e não apenas depois de alcançarem determinada idade. 2 – A
Língua Hebraica Determina a Canonicidade: Esta teoria é igualmente
insatisfatória, pois é amplamente conhecido que diversos livros escritos na
língua hebraica não entraram no Cânon, a demais, mesmo nos livros
reconhecidamente canônicos existem trechos que não foram escritos em hebraico,
mas em aramaico (Dn 2.4b - 7.28; Ed 4.8 - 6.18). 3 – A Concordância com a
Torá Determina a Canonicidade: Pelo fato de Deus não poder mentir ou
contradizer a si mesmo, certamente que nenhum livro que não concorde com a Torá
não poderia ser sagrado. No entanto, esta teoria falha ao desconsiderar dois
pontos importantes. Em primeiro lugar, não é a Torá que determina se os demais
livros são ou não canônicos, mas, o que determina é se eles vieram ou não da
parte de Deus, bem como é isto que determina a sacralidade da Torá também. E,
em segundo lugar, muitos outros textos que estavam de acordo com a Torá não
foram aceitos como canônicos, a se exemplificar o Talmude e Midrash. 4 – O
Valor Espiritual Determina a Canonicidade: Aqui se repete a assertiva feita
acima, a saber, se é verdade que nenhum livro Sagrado é irrelevante
espiritualmente, também o é que nem todos os livros com algum valor espiritual
foram incluídos no Cânon, como os Apócrifos bem o demonstram. Mas, o que mais
destaca o erro desta afirmação é o fato de que ela confunde a causa e o efeito,
isto é, não é o valor espiritual que determina a canonicidade de um texto, mas
sim, é a canonicidade que determina seu valor espiritual.
Em
contraposição a estes argumentos, a verdade é que justamente a Inspiração
determina a canonicidade de um escrito. Ainda em outras palavras, os livros da
Bíblia não são considerados Divinos porque nos mesmos foi encontrada alguma
virtude, mas sim, eles são valiosos devido ao fato de terem vindo da
parte de Deus. A canonicidade é determinada por Deus e reconhecida pelos homens
de Deus. É claro que o povo de Deus usou alguns métodos para reconhecer
os livros sagrados, no entanto, ressalto que estes métodos não podem assumir o
papel da Inspiração na canonização, pois um livro apenas pode ser
canônico se houver vindo da parte de Deus. Pois, de outra forma, alguém poderia
tentar forjar um livro usando os requisitos acima expostos, contudo, como a Inspiração
é prova cabal, este livro forjado não poderia subsistir. Dito isto, vejamos quais
forma estes métodos de reconhecimento: 1 – O Livro foi Autorizado? Cada
livro da Bíblia traz consigo uma reivindicação da autoridade divina, ora ela se
expressa assim: “Assim diz o Senhor”. Em outras passagens, um tom de exortação
revela sua origem divina, nos escritos de ensino a declaração divina vem em
forma de ordenança ao crente de como deve proceder, já nos históricos a
autoridade divina manifesta-se na demonstração da maneira que Deus tem agido ao
passar dos séculos. Mas, ficamos ainda com algumas incógnitas, pois, alguns
livros não possuíam expressões tão explícitas da autoridade divina, tais como,
“a Palavra do Senhor veio a mim”, ou “o Senhor me disse”. Um exemplo de livro
sem esta explicita autorização é o de Ester, mas, neste caso a inserção no
Cânon foi posterior, quando se observou que o destino do Povo de Deus havia
sido dirigido pelo Senhor. .2 – O Livro é Profético? Com isso, o
que quero dizer é que o Espírito Santo moveu algumas pessoas a, conhecidas como
profetas (II Pe 1.20,21), escrever a Bíblia. Todos os autores da Bíblia ou
possuíam um dom profético, ou uma função profética, mesmo que não se ocupassem
integralmente ou costumeiramente como profetas (Hb 1.1). Paulo é um bom exemplo
desta verdade, na sua carta a Galácia ele conclama aos gálatas que recebam sua
carta, pois ele era “apóstolo (não da parte dos homens, nem por homem
algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos)”
grifo meu; Gl 1.1. Paulo não era um homem qualquer, mas um apóstolo (“apostoloV”, apóstolo – literalmente “enviado” ou “profhthV” profeta – “proclamador de mensagem divina”,
pois nesse caso Paulo está escrevendo a mensagem da parte de Deus). 3 – O
Livro é Digno de Confiança? Como já observamos até este ponto, qualquer
documento que contiver algum erra factual ou doutrinário, não pode ter sido
Inspirado por Deus. Deus não pode mentir, suas Palavras são coerentes e
verdadeiras. Deste ponto de vista, os crentes Bereanos realizaram um ótimo
trabalho ao compara as palavras de Paulo com os ensinos do Antigo Testamento,
pois, se é verdade que a mera concordância com ensinos anteriores e canônicos
não tornaria um escrito Sagrado, igualmente o é, que a discordância com um
ensino anterior seria um excelente indício da falsidade das palavras de Paulo. Da
mesma forma se realizou esta pesquisa entre as cartas de Tiago e Paulo (afinal,
fé ou obras? “Meus irmãos, que adianta alguém dizer que tem fé se
ela não vier acompanhada de ações? Será que essa fé pode salvá-lo?” Tg 2.14,
versão NTLH) e da epístola de Judas (citação de livros pseudepigráficos, que
significa “escrito espúrio” ou “falsa autoria”), e, claro, os
demais do Novo Testamento. 4 – O Livro Pode Mudar Vidas? O quarto teste
era um pouco menos explícito que os demais, no entanto, não menos importante, a
saber, o texto era capaz de mudar vidas (Hb 4.12). O Senhor Jesus disse: “conhecereis
a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32), falsos ensinos ou livros não têm
a capacidade de libertar, mas, apenas a verdade indelével pode fazê-lo. 5 –
O Livro foi Aceito pelo povo de Deus para o qual foi Inicialmente Escrito? A
marca final de um texto canônico era o reconhecimento por parte daqueles que o
receberam inicialmente. Gerações posteriores se empenhavam no esforço de
descobrir se aqueles a quem os livros foram dirigidos de forma primária,
utilizavam estes mesmos livros como Palavra de Deus.
Cânon no Antigo Testamento: O início do Cânon bíblico ocorreu com os dez
mandamentos mais ou menos em 1450 a.C. imediatamente após Moisés recebê-lo no
monte Sinai (Êx 31.18), eles foram aceitos como Palavra de Deus e guardados na
Arca do Concerto (Dt 10.5), desta forma, constituíam os termos do Pacto entre
Deus e seu povo. Gradativamente essa coleção de Escritos Sagrados foi
aumentando, o próprio Moisés acrescentou Palavras que fossem guardadas ao lado
da Arca (Dt 31.24-26). Após a morte de Moisés Josué acrescentou também escritos
a Lei de Deus (Js 24.26). Para descumprir uma ordem enfática, a saber, a que
consta em Dt 4.2 “nada acrescentareis às palavras que vos mando”, certamente
Josué teve a certeza de que ele não o fazia por vontade própria, mas por Inspiração
divina.
Mais tarde,
outros homens que exerciam o ofício profético, igualmente acrescentaram ao
Cânon palavras vindas de Deus, vejamos alguns: 1 – “Declarou Samuel ao povo...
escreveu-o num livro e o pôs perante o Senhor...” (I Sm 10.25). 2 – “Os atos do
rei Davi... estão escritos nas crônicas, registradas por Samuel, o vidente, nas
crônicas do profeta Natã e nas Crônicas de Gade, o vidente” (I Cr 29.29). 3 – Quanto
aos mais atos de Ezequias... eis que estão escritos na visão do profeta Isaías
(II Cr 32.32) . 4 – Assim fala o Senhor, Deus de Israel: Escreve num livro
todas as palavras que eu disse (Jr 30.2). E tantas outras passagens que
demonstram esta verdade.
O conteúdo do
Cânon do Antigo Testamento continuou aumentando, Ageu 520 a.C., Zacarias
520-518 a.C. e Malaquias 435 a.C. são as datas aproximadas dos últimos profetas
do Antigo Testamento.
Cânon no Novo Testamento: Ao se começar a falar em Cânon no Novo Testamento,
se faz necessário citar, ainda que de passagem, a pessoa de Marcião, pois, ao
que tudo indica, ele foi o primeiro no sentido de reunir uma coleção canônica
dos escritos mais antigos do Cristianismo. Marcião foi filho de um bispo, por
isso, educado desde criança nos padrões do cristianismo e possuidor de grande
riqueza. Marcião, por justa causa, foi considerado um herege, isto porque, ele
acreditava que havia dois deuses um o “demiurgo” havia feito o homem e criado a
terra, e, este deus operou no período do Antigo Testamento, sendo um deus
rancoroso e que se regozijava com o derramamento de sangue. Já no tempo do Novo
Testamento, o deus que estava em ação era um deus amoroso, Jesus Cristo, que ao
morrer adquiriu o direito de conduzir os homens a sua presença no paraíso. Por
ter essas idéias, Marcião afirmava que qualquer influência judaica no Cristianismo,
deveria ser encarada como um acréscimo ruim, por isso, quando ele organizou seu
próprio Cânon, apenas utilizou o evangelho de Lucas e os escritos de Paulo,
todos corrigidos e editados no sentido de se descontaminar de qualquer
influência judaica, evidentemente. Embora, provido de idéias no mínimo absurdas,
Marcião foi muito útil para o desenvolvimento do Cânon neotestamentário, pois a
partir de sua organização foi que o processo para realmente determinar, quais
documentos possuíam a marca da Inspiração divina se apressou.
Apenas
gradualmente se desenvolveu o conceito atual de 27 livros Inspirados, alguns
destes demoraram mais tempo a ser reconhecidos, é o caso de: Evangelho de João,
Apocalipse, epístolas aos Hebreus, Tiago, II Pedro e II e II João. Além disso,
muitos livros que hoje não figuram no Cânon, vez por outra em determinados
locais eram incluídos na lista normativa de livros, alguns deles são: Didaquê,
a carta de Clemente aos Coríntios, o pastor de Hermas, a epístola de Barnabé
(estes livros constituem hoje parte importante do estudo da Patrologia, e, são
denominados os Pais Apostólicos). A primeira carta que chegou até
nós contendo a atual configuração dos livros canônicos foi de Atanásio, bispo
de Alexandria em 367 d.C. Por intermédio de um lento consenso, que o Novo
Testamento foi agrupado e reconhecido como Inspirado. As principais
metodologias de reconhecimento, além das que anteriormente foram citadas,
foram: 1 – A autoria apostólica e 2 – A experiência por meio de um longo uso na
comunidade cristã.
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LATOURETTE,
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GEISLER,
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Enigmas e “Contradições” da Bíblia. Trad. Milton Azevedo Andrade. 1ª
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