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sábado, 28 de setembro de 2013

Apocalipse


Correntes Interpretativas: Não poucos têm buscado transformar o Apocalipse em um livro de adivinhações e misticismos.
Historicista: Desde sempre alguns mais exaltados em sua geração se valeram das profecias contidas nesse livro, para de alguma forma poder antever os acontecimentos pertencentes ao seu próprio cotidiano ou mesmo de forma mais ampla associando aos eventos relacionados à humanidade. E este tipo de interpretação é muito usada entre os que têm uma visão apenas histórica do livro. Estes indivíduos vêm comparando o Apocalipse com a história da Igreja desde o primeiro século, para realçar coisas como o aparecimento do papado e as invasões muçulmanas.
Desta forma, não entendem que a Grande Tribulação não acontecerá no final dos tempos, pois “soltaram” os eventos do livro no passar da história da Igreja. Assim, cada geração de eruditos vem retrabalhando a interpretação do Apocalipse, numa tentativa de encaixar as profecias em suas respectivas épocas.
Preterista: Existem outros intérpretes que encaram Apocalipse como preterista, e relacionam suas profecias com os eventos registrados no final do primeiro século, tendo-se Roma e seus imperadores mais destacados como contexto histórico. Ou seja, os preteristas acreditam que a maior parte do livro de Apocalipse cumpriu-se imediatamente ao período que se seguiu de sua escrita, ou mesmo simultaneamente a ele. Todavia, diga-se, que a associação entre textos e eventos realizada pelos preteristas é muito subjetivo e precário.
Idealista: Há também intérpretes que rejeitam a tentativa de se identificar os eventos do livro com as fontes históricas. Esses preferem uma visão idealística do Apocalipse. Entendem que os símbolos e figuras são somente representantes da disputa progressiva entre o bem e o mal, com uma única literal verdade, a saber, a certeza do triunfo derradeiro da justiça. Eles não creem no cumprimento literal de nenhum evento do livro. Contudo, ainda que, sim, haja muitos eventos simbólicos e outras tantas figuras e símbolos que descrevem outros eventos, são estes acontecimentos reais. O Anticristo é chamado de a besta, mas será uma pessoa real, e cumprirá as predições feitas sobre ele noutras profecias, tais como II Ts 2.3-12, onde se diz que Cristo virá pessoalmente trazer o triunfo final.
Futurista: A maioria dos pentecostais e fundamentalistas têm uma visão futurista do livro. Sob esta visão, tudo, ou quase tudo que é descrito após o capítulo quatro, acontecerá literalmente em um curto período de tempo (sete anos) após o término da dispensação da Igreja (Graça). Será um tempo de tribulação, ira e julgamento, que terá o seu clímax com o retorno de Jesus em glória para destruir o exército do Anticristo, e estabelecer seu reino milenial.
Encontramos este período de sete anos nas Setenta Semanas de Daniel 9.27. Intérpretes há que digam ser esse tempo, ao menos de forma mais explícita, apenas os últimos três anos e meio desses sete anos. Período este chamado também de a Grande Tribulação. Logo, quando os futuristas se referem a Tribulação, ou da Grande Tribulação, não estão se referindo às tribulações comuns, sofrimentos e pressões, que são parte do viver diário da história da Igreja neste presente século. Durante a Grande Tribulação, é bom que se diga, será o próprio Deus quem trará a ira e o julgamento sobre o mundo que rejeita a Cristo. A perspectiva de um curto período de tribulação ao findar a presente era, é sustentada por todos os futuristas, sendo eles ou não dispensacionalistas.
Os futuristas igualmente cometeram deslizes ao divulgar suas interpretações do Apocalipse. De forma semelhante a dos historicistas, alguns vêm estabelecendo datas para acontecimentos futuros, ou buscando descobrir qual será o próximo evento, ou identificar quem será o Anticristo com sistemas e indivíduos. Ainda assim, diga-se de passagem, que, os futuristas possuem mais seriedade com a realidade do julgamento e a certeza da segunda vinda de Cristo do que os demais grupos. A visão futurista, de acordo com a opinião deste que vos escreve, é a que melhor se encaixa nas profecias do Antigo Testamento; é também a que possui menor quantidade de problemas de interpretação.
Além das categorias supracitadas, existe também a divisão dos grupos interpretativos em relação a sua visão a respeito do milênio (os mil anos mencionados repetidamente no capítulo 20). Cite-se que a forma como se interpreta o milênio afetará a perspectiva total em relação ao livro de Apocalipse. Vejamos as principais correntes interpretativas concernentes a essa questão.
O amilenismo acredita que não haverá milênio, pelo menos no que tange a terra. Parte de seus proponentes afirma que o Apocalipse é simbólico, por isso, não há sentido algum em se buscar nele um milênio literal. Outros veem os mil anos como uma realização a cumprir-se no céu. Entendem o número "mil" como um ideal; um período indefinido. Então, aguardam que o atual período da Igreja encerre com a ressurreição e julgamento geral, tanto do justo como do ímpio, seguindo-se imediatamente o reinado eterno no novo céu e na nova terra.
Grande parte dos amilenistas consideram Agostinho (o bispo de Hipona, no Norte da África, 396-430 d.C.) um dos principais promotores do amilenismo. E assim Como Agostinho, se apropriam das profecias do Antigo Testamento concernentes a Israel, e as espiritualizam, aplicando-as à Igreja. Mas vejamos o exemplo de Ezequiel 36. Neste trecho, Deus promete restaurar Israel por causa do seu santo nome, embora o hajam profanado. Todavia, esse texto refere-se à nação de Israel. Este sistema, além de espiritualizar além de limites aceitáveis, não deixa espaço nem para a restauração de Israel (como explicam a ascensão do mesmo desde 1948?) nem para o reinado de Cristo sobre a terra (forçando novamente a espiritualizar o texto, mas desta vez, Apocalipse 20). Reinado este, diga-se de passagem, explicitamente profetizado no Antigo, assim como, no Novo Testamento.
O pós-milenismo, outra corrente, começou a espalhar-se a partir do século XVIII. Seus proponentes entendem o Milênio como uma extensão do período atual da Igreja. Afirmam que o Evangelho ganhará todo o mundo para Cristo, a Igreja então, assumirá o controle dos reinos seculares. Após isto acontecerá à ressurreição e o julgamento geral tanto do justo como do ímpio, seguido pelo reinado eterno no novo céu e na nova terra. O pós-milenismo, semelhantemente ao amilenismo, espiritualiza as profecias da Bíblia, excluindo à restauração de Israel ou ao reinado literal de Cristo sobre a terra durante o Milênio. Menospreza o fato de que os profetas do Antigo Testamento (e o próprio Cristo) mostraram que o Reino será introduzido através de um julgamento. A estátua de Daniel dois, por exemplo, para os tais, diz respeito ao sistema mundial atual. Mas, não percebem os pós-milenistas que a rocha que representa o Reino de Deus, não transforma a estátua, e, sim, destrói-a por completo. E apenas quando se concretizar essa profecia é que o Reino de Deus encherá a terra.
Já o pré-milenismo interpreta as profecias do Antigo e do Novo Testamento de maneira tão literal quanto possível, observando, acertadamente, se o contexto o permite. Para tais intérpretes a forma mais simples de se entender estas profecias é colocando o retorno de Cristo, a ressurreição dos salvos e o Tribunal de Cristo antes do Milênio. Após este, Satanás será momentaneamente solto para enganar as nações, mas será logo depois derrotado, para assim permanecer eternamente. Depois disso, acontece o julgamento do Grande Trono Branco, que sentenciará o restante dos mortos. Somente então, teremos o reino eterno no novo céu e na nova terra.
Em relação à interpretação do livro de Apocalipse como um todo, muitos pré-milenistas no século XIX eram historicistas. No entanto, a considerável maioria dos pré-milenistas, atualmente, é futurista.

Propósito:

Uma última chamada aos não cristãos: A finalidade do livro é conceder ao mundo uma última declaração divina de que Jesus é o Filho de Deus e que há de triunfar sobre todo inimigo e será o Governador do Universo durante a eternidade. O Apocalipse faz o último convite escrito por “Inspiração Divina”, conclamando aos pecadores a serem reconciliados com Deus por meio da fé em Jesus Cristo. A advertência é feita às nações e seus reis muito antes da revelação final ser escrita: "Beijai o Filho" (Sl 2.10-12). Todavia, aqui se reveste de um novo vigor, pois o Filho já ressuscitou, “recebeu” todo o poder e está prestes a voltar. Ainda neste convite de graça (Ap 22.17), existe também o aviso da mais voraz e irrevogável sentença: "Quanto, porém, aos covardes, incrédulos, abomináveis, assassinos, impuros, feiticeiros, idólatras e todos os mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte" (Ap 21.8). A escolha será: "Venha... receba de graça" (Ap 22.17) ou "será lançado para dentro do lago de fogo" (Ap 20.15). Na presença de Cristo não entra nenhuma coisa imunda, ou seja, é preciso lavar nossas vestes no sangue do Cordeiro (Ap 22.14; 12.11; 7.9-17).
Aos crentes, esta profecia tem um propósito duplo de admoestação e de alento. Repreende e anima, esquadrinha e exorta. Incentivando e estimulando a serem santos e ativos diante de Deus, gratos pela salvação e a bem-aventurada esperança. Não apoia a ideia errônea de que a salvação eterna das almas é determinada pelas obras feitas pelo indivíduo (pelagianismo). A sua relação com o Cordeiro de Deus é indispensável. A forma de doutrinar os cristãos é por meio de juízos diretos descritos nas cartas as sete igrejas da Ásia; o Senhor Jesus Cristo elogiando ou reprovando, os ensinamentos proféticos do futuro, findando com a descrição do Juízo Final e visão da Cidade Eterna, a Nova Jerusalém, com seu divino Rei. É fato que cada uma das partes do livro, encontra uma aplicação para o cristão atual, assim como, cada trecho da Escritura. Através de uma acurada observação das falas do Mestre, ora repreendendo, ora incentivando, podemos descobrir o que deseja Ele que façamos.
Como deve o crente tornar-se para agradar seu Senhor: O livro demonstra qual será o papel dos crentes atuais nos eventos finais, a saber, estarão plenamente remidos, por essa razão, fazemo-nos mais sábios aprendendo a dar a glória devida a Cristo, ainda que de alguma forma ainda não usufruamos na totalidade dessa revelação, podemos ter a certeza de que irá ocorrer. Se durante essa vida pudermos nos conduzir com a consciência desperta de que o Senhor nos acompanha em cada uma das realizações que efetuamos, então, e somente assim, teremos aprendido como é viver nessa nova cidade prometida no Apocalipse onde não há necessidade de sol, lua ou lâmpada, pois a glória de Deus a ilumina (Ap 21.23). O Cristo, Juiz do capítulo 1, é o Cordeiro iluminador do capítulo 21. Outra forma que este último livro da Bíblia ajuda o cristão é revelando detalhes sobre o futuro. Apresenta um panorama ou perspectiva dos eventos do fim da História que, de outro modo, o ninguém teria. Ainda que o livro faça uso de uma linguagem figurada e de símbolos, que em sua maioria são ou serão explicados ainda aqui nesta vida mesmo e nas Escrituras Sagradas. Uma questão de importância inigualável é que Jesus Cristo é o Vencedor, vencerá todos os inimigos e levará o plano divino a cabo de maneira triunfante.
Expandir e explicar assuntos já tratados por João: Enquanto que no Evangelho de João 14.1-3 diz que o Salvador prometeu aos Seus voltar para levá-los, a estarem com Ele no lugar que Ele mesmo prepararia e exortou-lhes ter nEle a mesma fé que tinham em Deus. Nos últimos capítulos do Apocalipse, lemos sobre este lugar que o Redentor está preparando para os Seus. João também disse que ainda não se manifestou o que nós, filhos de Deus, havemos de ser, mas sabemos que quando Ele Se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como Ele é (I Jo 3.2). No Apocalipse, todavia, percebemos a maneira como Cristo há de manifestar em forma visível e gloriosa. Há diversas outras declarações no Evangelho de João a respeito do futuro e que no Apocalipse visam ser ampliadas ou explicadas. Por exemplo: João 3.16 fala da maneira de receber a vida eterna, e não perecer. Porém, no Apocalipse está registrada a explicação a respeito dessa salvação e perdição. João 11.25-26 ensina o mesmo acerca da ressurreição ou do arrebatamento, Paulo em I Tessalonicenses 4 e 5 confirma, e está de acordo com este último livro profético, isto é, que só os crentes terão parte na felicidade eterna. Também Cristo mencionou a Sua volta em João 14.28. Veja-se João 6.40,44,54.
O Juízo divino vindouro: Como não poderia deixar de ser, a perspectiva mais ampla sobre o futuro, que também foi mencionado no Quarto Evangelho, que ocupa a maior parte do Apocalipse é o juízo exercido por Jesus Cristo. Se quando de sua vinda a terra, o Mestre não viera para condenar, e, sim, para salvar o mundo (3.17), agora da perspectiva do Apocalipse, Jesus está entronizado e julgando os habitantes do mundo. Se em seu primeiro sermão que proferido na sinagoga de Nazaré, o Mestre havia dito que tinha vindo para "apregoar o ano aceitável do Senhor" citando Isaías 61.2 (Lc 4.19). Agora no Apocalipse notar-se-á que chegou o tempo a que se refere o resto de Isaías 61.2 "o dia da vingança do nosso Deus". Em Amós 5.18-20 diz "Ai de vós que desejais o dia do Senhor! Para que quereis vós este dia do Senhor? Trevas será e não luz". Veja também Sofonias 1. 14; 2.2.
Nos capítulos 2 e 3 do Apocalipse o juízo começa com a casa de Deus (I Pe 4.17-18). Mas, de Apocalipse 6.1 até 19.21 lemos sobre um juízo direcionado aos que não creram em Jesus, castigos, pragas, dores, pestilências, entre outros, cada vez mais severos, até que os homens busquem a morte, mas esta se distancia deles. Além disto, virá após o reino milenar, o tempo do juízo final, Cristo assentado sobre o Grande Trono Branco, todo o mundo diante dEle, para o juízo definitivo. Por esta razão o Apocalipse é chamado de livro de juízo, de vingança, de terror. Embora que alguns não vejam nele mais que castigos e pragas e tenham a ideia que Deus dará um fim à história humana, através de grandes penas. O evento descrito no capítulo 19 mostra os santos e os seres celestiais alegres ao ver o julgamento da grande prostituta dizendo: “Aleluia... Verdadeiros e justos são os seus juízos, pois julgou...”.
Este livro dá ao mundo a mensagem divina de que o fim de todas as coisas se aproxima. As condições atuais não continuarão sempre assim. A paciência de Deus não durará eternamente. O dia do juízo é inevitável. O diabo e os seus perderão a batalha e sofrerão eterna perdição. Jesus Cristo gozará a vitória que obteve na cruz e com os Seus reinará eternamente.
  
Esboço:
I. As cartas às sete igrejas da Ásia. 1.9 – 3.22.
II. O livro com os sete selos e os acontecimentos terrenos que ele anuncia. 4.1 – 6.17.
III. Os juízos anunciados pelas sete trombetas. 7.1 – 9.21.
IV. A hora mais negra da história universal. 10.1 – 13.18.
V. As sete taças do juízo. 14.1 – 16.21.
VI. Babilônia e Armagedom. 17.1 – 19.21.
VII. O Milênio; o Juízo Final; a Nova Jerusalém e a Eternidade. 20.1 – 22.5.

Teologia do Apocalipse: Falar a respeito de todos os temas do livro não é trabalho para menos do que um livro, por isso, elencaremos três assuntos largamente tratados.

O problema do mal: No livro de Apocalipse se percebe o que acontecia nos bastidores enquanto o crente enfrentava sofrimentos nessa vida. Todavia, para que não se caia no erro de supervalorizar ou menosprezar a participação satânica nos eventos concernentes aos crentes, se devem considerar duas questões importantes. Em primeiro lugar a Soberania divina, que significa que nada, nem mesmo a operação satânica, foge ao controle de Deus. E, em segundo lugar, a Liberdade humana (livre-arbítrio para os arminianos; livre-agência para os calvinistas), liberdade pressupõe poder ou não realizar determinada ação e com isso, sofrer as consequências da mesma. Desde sempre, os intérpretes reconheceram a tensão bíblica entre ambas as verdades, somente em tempos muito modernos que se desenvolveu a concepção determinista, não sendo, por exemplo, defendida pelos reformadores do século XVI.
Mas, o que antes do período da Grande Tribulação é tido apenas como uma verdade teórica, no livro do Apocalipse se mostra abertamente a resistência satânica contra tudo o que provenha de Deus (Ap 12.11) na luta do Dragão contra a mulher (ainda que a mulher do ponto de vista dispensacionalistas represente Israel, serve como figura para a Igreja também).

A visitação da ira: É no livro de Apocalipse que temos a descrição mais apurada do fato de que Deus antecipará sua Ira eterna e vindoura em eventos simbólicos descritos como selos, trombetas e taças.
Três fatores devem ser destacados ao falar da Ira de Deus explanado no Apocalipse.
Primeiro, as dores são dirigidas contra os homens que traziam o sinal da besta e adoravam sua imagem (16.2).
Segundo, as pragas tem um propósito misericordioso (9.20; 16.9,11).
Terceiro, há um grupo selado que está protegido dessas pragas e que não sofre a ira de Deus, a saber, os doze mil de cada uma das doze tribos de Israel (7.1-8).

A vinda do Reino: A vinda do Reino de Deus é mostrada de duas formas, a destruição do mal e a bênção da vida eterna. 

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Epístola de Judas


Esta curta epístola, porém de linguagem enérgica, foi escrita contra os falsos mestres, que eram abertamente contra a doutrina da santificação e que zombando, rejeitavam a revelação divina a respeito da Pessoa e da natureza de Jesus Cristo, segundo as Escrituras (Jd 4). Dessa maneira, dividiam as igrejas, concernente a (Jd 19 a, 22) e quanto à conduta (Jd 4,8,16). Judas descreve esses homens vis como “ímpios” (Jd 15), que “não têm o Espírito” (Jd 19).
O possível relacionamento entre Judas e II Pedro 2.1-3.4 depende do fator data do primeiro. O mais provável é que Judas tinha conhecimento de II Pedro (Jd 17,18) e, daí, sua epístola se situaria posteriormente, isto é, entre 70-80 d.C. Não está esclarecido sobre os destinatários, mas podem ter sido os mesmos de II Pedro.

Propósito: Judas escreveu esta carta, para, com empenho, advertir os crentes sobre a grave ameaça dos falsos mestres e sua influência destruidora nas igrejas; e para conclamar todos os verdadeiros crentes a resolutamente “batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos” (Jd 3).

Visão panorâmica: Seguindo-se à saudação (Jd 1,2), o autor revela que sua primeira intenção era escrever sobre a natureza da salvação (Jd 3a). Todavia, em vez disso, ele foi movido a escrever sobre o assunto que se segue, por causa dos mestres apóstatas que estavam pervertendo a graça de Deus e, ao agirem assim, corrompiam a verdade e o caminho da retidão nas igrejas (Jd 4). Judas os acusa de impureza sexual (Jd 4,8,16,18), liberais como Caim (Jd 11), cobiçosos como Balaão (Jd 11), rebeldes como Coré (Jd 11), arrogantes (Jd 8,16), enganosos (Jd 4 a ,12), sensuais (Jd 19) e causadores de divisões (Jd 19). Afirma a certeza do julgamento divino contra todos que vivem em tais pecados e ilustra esse fato com seis exemplos do Antigo Testamento (Jd 5-11). Os doze fatos descritivos da vida deles revelam que a medida do seu pecado está cheia para o julgamento divino (Jd 12-16). Os crentes são despertados a crescer na fé e a ter compaixão com temor, no tocante àqueles que estão vacilando na fé (Jd 20-23). Judas termina com palavras de louvor a Deus, de grande inspiração, ao impetrar a sua bênção (Jd 24,25).

Características especiais: Quatro características principais estão nesta epístola:
1. Contém a incriminação mais vigorosa e direta do Novo Testamento sobre os falsos mestres. Chama a atenção de todas as gerações para a gravidade do perigo constante da falsa doutrina contra a genuína fé e a vida santa;
2. Exemplifica o caso de ilustrações tríplices, três exemplos de julgamento tirados do Antigo Testamento (Jd 5-7), uma descrição tríplice dos falsos mestres (Jd 8) e três exemplos de homens ímpios, tirados do Antigo Testamento (Jd 11);
3. Sob a plena influência do Espírito Santo, Judas fez menção de vários escritos:
a) As Escrituras do Antigo Testamento (Jd 5-7,11); b) As tradições judaicas (Jd 9,14,15); c) Citando diretamente II Pedro 3.3, que ele confirma como procedente dos apóstolos (Jd 17,18).

4. Contém a bênção mais sublime do Novo Testamento.

I João



Propósito: O propósito de João ao escrever esta epístola foi, pelo menos, triplo:

1 – Chamar à atenção a origem histórica do Cristianismo, com o intuito de expor e rebater os erros doutrinários e éticos dos falsos mestres (Gnosticismo);

2 – Dar aos cristãos a certeza absoluta de sua salvação e exortar seus filhos na fé a manter uma vida de santa comunhão com Deus, na verdade e na justiça, cheios de alegria (l Jo 1.4) e de certeza da vida eterna (l Jo 5.13), mediante a fé obediente em Jesus, o Filho de Deus (l Jo 4.15; 5.3-12), e pela habitação interior do Espírito Santo (l Jo 2.20; 4.4,13).

3 – Desenvolver o conceito do novo mandamento de Cristo: “Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis” (Jo 13.34).

Ênfase Teológica das Epístolas de João: nasce de uma preocupação pastoral com seus leitores. Preocupação essa motivada pela principal controvérsia teológica a respeito da pessoa de Jesus nas igrejas da Ásia Menor, às quais o apóstolo dirige as epístolas. Tal controvérsia aumentou tanto que, a ponto de causar uma divisão grave na igreja, resultando na saída de grande número (talvez até mesmo a maioria e dos mais capacitados e talentosos) de cristãos confessos (I Jo 2.19) dessas igrejas. João quer tranquilizar seus leitores. Ele afirma que os que permaneceram ao seu lado, de fato, permaneceram na verdade em relação à confissão apostólica de quem Jesus é e na posse da vida eterna (I Jo 2.21,24). Os leitores precisavam dessa garantia em face da contínua controvérsia com os oponentes dissidentes, cuja cristologia inadequada e heterodoxa negava a total humanidade de Jesus e a importância de sua vida e ministério terrenos como um exemplo a ser seguido pelos crentes (2.26; 4.2,3). A cristologia deficiente dos oponentes era tão falaciosa e suas consequências tão sérias que João chamou seus proponentes de “anticristos” (2.18,22; 4.3). A mensagem de João para as igrejas é urgente, pois havia grande risco de mais pessoas serem enganadas pelo ensinamento dos dissidentes (2.26; 3.7).
João deixa claro que esses dissidentes, independentemente do que afirmam sobre terem um relacionamento com Deus, nunca, de fato, fizeram parte da verdadeira comunhão dos crentes. Isso ficou evidente quando da saída deles da comunhão com os crentes: “Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem de nós, ficariam conosco; mas isto é para que se manifestasse que não são todos de nós” (2.19). Na verdade, os citados sectários pertencem ao mundo, e não à comunhão dos verdadeiros seguidores de Jesus: “Do mundo são; por isso, falam do mundo, e o mundo os ouve” (4.5).
Desse ponto de vista, se torna mais compreensível às tendências de João de usar imagens polarizadoras (antíteses ou opostos), já encontradas no quarto Evangelho. Diversas imagens contrastantes são utilizadas com intuito de gravar no leitor as explícitas diferenças entre a teologia ortodoxa e a dos oponentes sectários Gnósticos. João usa pares de opostos, como luz e trevas e, em especial, amor e ódio, para demonstrar o contraste entre os leitores e os oponentes. Em uma tentativa de enfatizar o abismo que separa os leitores, crentes genuínos, dos oponentes, que não o são, traz à cena até mesmo o termo “anticristo” (2.18,22; 4.3). Para João, a questão cristológica e a moral, que estão em jogo, são claras e não existe meio-termo; necessariamente deve-se tomar um partido, ficar com os oponentes e sua cristologia heterodoxa ou com os apóstolos e a visão ortodoxa de quem é Jesus.

Como ter a Certeza de ser Filho de Deus? Os Três Testes: são eles o 1 - teste moral (da obediência), 2 - o teste social (do amor) e 3 - o teste doutrinário (o teste da crença em Jesus Cristo).

1 – O Teste da Moral – obediência (2.3-6): “nisto sabemos que o conhecemos” (2.3), nesse trecho o resultado da obra de Cristo é conhecê-lo. Para os gregos o conhecimento era obtido através da contemplação racional, para os gnósticos, através de uma experiência mística. Na visão do apóstolo João o conhecimento é obtido através do perdão dos pecados e consiste em conhecer Deus na pessoa de Jesus. Os que desfrutam de comunhão com Deus também o conhecem. Este conhecimento está vinculado a comunhão (1.7), em seu evangelho João afirma: “a vida eterna é essa, que conheçam a ti por único Deus verdadeiro e a Jesus a quem enviaste”. O quarto evangelho explicita que conhecer a Deus é experimentar seu amor em Cristo e viver de forma adequada a esse amor através da obediência.
“Se guardarmos os seus mandamentos”, entenda-se que João tem em mente que seus ouvintes já passaram pelo processo do novo nascimento, logo, ele não está afirmando que qualquer ser humano que viver de acordo com a “Lei” de Deus será, por isso, salvo. Muitas pessoas observam os preceitos cristãos, apenas porque consideram isso “o melhor negócio” que lhes concederá a melhor recompensa.
A expressão “seus mandamentos” não significa os dez mandamentos ou mesmo a “Lei” do Antigo Testamento, mas equivale a “guardar sua Palavra” (2.5) e andar como “Ele andou” (2.6), logo, esses mandamentos são: a verdade de Deus como manifesta em Cristo sua expressa imagem (Hb 1.3). Dessa forma, o verdadeiro cristão não é aquele que apenas conhece os ensinamentos e a história de Cristo, e, sim, aquele que os conhece e que anda de acordo com tais preceitos, isso é aprender e saber que o conhecemos. Devemos considerar ainda a frase de Cristo que está intrinsecamente ligada com esse pensamento joanino: “Nem todo que me diz Senhor, Senhor! Entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7.21 e segue-se a explicação do erro de levar uma vida apenas baseada em experiências sobrenaturais, os que assim vivem transformaram o meio no fim, ou seja, não adoram mais a Deus e sim os “prodígios” tem para os tais, o status de deidade). A religião meramente “emocional” (que meramente valoriza o exterior em detrimento do todo ou mesmo o interior) sem a disciplina moral torna-se sentimental e a religião intelectualizada igualmente não demonstrará os frutos necessários.
Guardar “os mandamentos” de Deus equivale a “andar na luz”. O alvo só pode ser alcançado por aqueles que continuarem a guardar. Dessa forma, o verdadeiro conhecimento de Deus gera um desejo acima de todos os demais de obedecer-lhe e conforme mais guardamos sua Palavra mais nosso amor por Ele é aperfeiçoado (2.15; 3.17; 4,12). Portanto, o “obedecer” e não o “sentir” é um dos testes perfeitos de conhecimento da pessoa de Deus. Todavia, devemos entender que todos os “mandamentos” de Cristo foram nos dados através da motivação do amor, por isso, a única resposta correta a eles é a resposta do amor. Isto é, por causa disso que Cristo afirmou que os dois maiores mandamentos estavam intrinsecamente ligados a duas dimensões do amor, em relação a Deus e aos homens.
Se pudermos acreditar que um homem e uma mulher entendem o significado de amar e estão dispostos a amarem-se independente de qualquer situação até que a morte os separe, igualmente podemos esperar que o cristão entenda que seu amor a Deus seja “não dividido”. Paulo afirmou que “o cumprimento da Lei é o amor” (Rm 13.10). Entenda-se amor aqui em relação a Deus.

2 – O Teste Social (do amor) 2.7-11: “nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13.34-35) essa foi a marca estabelecida por Cristo para que o mundo saiba que pertencemos a Ele e que, de fato, foi Ele enviado pelo Pai. Além disso, essa “marca” não apenas evidencia ao mundo quem são os cristãos verdadeiros, mas, também, evidencia aos próprios cristãos. Dessa forma, quando percebermos que amamos aqueles por quem Cristo morreu, então saberemos que somos cristãos.
E é exatamente esse teste que o apóstolo desenvolve no trecho de 2.7-11 de sua primeira epístola. O apóstolo está afirmando que uma pessoa que se diz cristão e não ama seu próximo tem o mesmo direito de se considerar um verdadeiro cristão, com a exata medida que alguém que não guarda os “os mandamentos de Deus” igualmente pode evocar a si a nomenclatura de cristão, a saber, nenhuma.
O mandamento do amor (2.7,8): no teste precedente João chamou a atenção à obediência que devemos prestar aos “mandamentos” de Deus de uma forma mais geral, ainda que tenhamos feito a conexão com amor a Deus, no entanto, agora, ele especifica mais esse quadro ao falar sobre o amor ao próximo.
O Amor como um antigo mandamento “não escrevo-vos mandamento novo”: Este “princípio” aqui pode apontar para o início da religião revelada como fora no Antigo Testamento, ao contrário do que ele faz no capítulo 1 quando utiliza esse mesmo termo para referir-se ao início do Cristianismo. Embora para que o consideremos, assim, precisaríamos ter em mente, que João está escrevendo apenas para os cristãos de berço judeu, visto que apenas esses conheceriam a religião contida no Antigo Testamento. Por outro lado, se optarmos por entender que o termo “princípio” mais uma vez remete ao início do Cristianismo, tornar-se-á difícil entender o contraste que João está fazendo entre o antigo e novo em referência ao amor como mandamento. Ou seja, o que existe de novo que foi estabelecido entre o início do Cristianismo e o momento da escrita da epístola de João ou que ainda, de alguma forma, soa novo?  Por essa última dificuldade, isto é, não haver nada “novo” no ano 90 d.C, é que talvez se torne mais plausível entender aqui a primeira opção, que diz tratar-se do amor revelado no Antigo Testamento, considerando que, ou os cristãos gentios se interessaram em ler os escritos do AT (o que é muito plausível) ou então João não considerou o fato que seus leitores gentios-cristãos não aprenderam a religião revelada do Antigo Testamento.
Todavia, o fato é que amor como mandamento já era conhecido antes da descida de Cristo a terra, “não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo, mas amará teu próximo como a ti mesmo. Eu Sou o Senhor” (Lv 19.18; itálico meu; aparentemente pelo contexto aqui se define “próximo” como pertencente ao mesmo povo). A esse versículo, Lv 19.18, que Jesus faz referência como segundo maior “mandamento” e como o primeiro e maior mandamento Jesus cita Dt 6.5 “Amarás, pois, o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu poder”, ao que Cristo acrescenta “de todo teu entendimento”, mas isso é assunto para o próximo tópico.
Amor como um novo mandamento: Ao lermos o ponto anterior, torna-se, quem sabe difícil de imaginar de que forma pode ser novo o mandamento do amor (com exceção da última frase que nos dá um indício). Ao que respondemos é novo, porque foi ampliado, reinterpretado e elevado a um nível muito superior pela pessoa de Jesus. Vamos analisar três formas pelas quais na pessoa de Jesus esse amor tornou-se novo, além das já citadas.
Primeiro, tornou-se novo em relação à sua extensão. Assim como, em todas as épocas, na de Cristo muitos consideravam o amor algo necessário apenas em um círculo fechado que inclui família e amigos, com o acréscimo ainda, no caso específico dos conterrâneos e Jesus, a uma nação. Para os judeus ortodoxos o pecador não deveria ser amado (ainda que os teonomistas possuam essa mesma visão, embora que qualquer ser humano que sofra nas mão de outro será tentado ao mesmo), ao contrário, ele é alguém que Deus deseja e tem prazer de destruir (também entendem assim os calvinistas, não leia-se isso como que se fosse um preconceito, mas, sim, como apenas a retratação de um fato que nenhum calvinista negará, visto que apenas o eleito incondicionalmente em sua visão será alvo do amor de Deus). Os gentios não deveriam ser amados, para os ortodoxos, pois, foram criados por Deus apenas para irem para o inferno, assim entendemos o espanto dos tais ao verem Jesus cear com pecadores e conversar com “gentios” e samaritanos. Enfim, para Jesus o amor ao próximo atinge extensões inimagináveis e, tal qual, o próprio Cristo descreve na parábola do bom samaritano, amar ao próximo é amar a todos os seres humanos.
Segundo, Jesus tornou novo o mandamento do amor em relação à distância. Com distância entenda-se o preço que se está disposto a pagar. Jesus sendo em forma de Deus não considerou que isso fosse algo superior a sua missão, então se esvaziou a si mesmo assumindo forma de servo levando, inclusive, sua servidão as últimas consequências, a de morrer da forma mais degradante, tanto para seu povo quanto para a cultura de sua época, na cruz. E tudo isso, por amor, amor ao Pai, amor ao homem, amor ao mundo (Jo 3.16), é isso que significa mandamento novo em relação à distância, todavia, não esqueçamos que somos igualmente instados a possuirmos o mesmo sentimento que houve em cristo (Fp 2.5).
Terceiro, o amor em Jesus se faz novo quanto a sua intensidade. Pois, na antiga dispensação do Antigo Testamento não era possível ainda porque Cristo passou a viver dentro daqueles que o seguem, o que não acontecia na antiga aliança, assim sendo, a intensidade com que um cristão é capaz de sentir amor pelo próximo é sem precedentes.
A vida de amor (2.9-11): João estabeleceu três exemplos daqueles para quem o teste do amor deve ser aplicado.
Confissão sem amor: “aquele que diz que está na luz”, alusão direta aos gnósticos que se consideravam os iluminados, assim como, é claro, as demais referências. É importante lembrarmos que os gnósticos não deixavam de se considerar cristãos, por isso, mais uma vez, exatamente como Cristo houvera feito, a crítica continua aos de “dentro”, ou seja, a preocupação do apóstolo é em manter o corpo de Cristo saudável e separado dessa heresia. Como pode alguém “julgar” os gnósticos ou mesmo outras pessoas que confessam o cristianismo? Eis a questão central, existe um hiato entre “confessar” o cristianismo e ser cristão e exatamente para preencher essa lacuna que João nos dá essas instruções, para que possamos “julgar segundo a reta justiça” (Jo 7.24). Dessa forma, confessar ser cristão sem amar o próximo serve meramente como evidência que a pessoa que assim procede, ainda não conheceu Deus. “ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda ciência,,, e não tivesse amor nada seria” (I Co 13.2). A “luz” (conhecimento ou qualquer coisa que possa ser boa) de um homem são trevas até que seja aquecida com amor.
Amor brotando da luz: O segundo exemplo de João é positivo “aquele que ama seu irmão está na luz, e nele não há escândalo” (2.10). A ideia de escândalo aplica-se ao indivíduo no sentido de que se ele ama caminha na luz, e assim não causa escândalo, logo o efeito do amor sobre o ódio no indivíduo é cumulativo, quanto mais eu andar na luz mais amarei e se assim continuar, mais eu serei impelido a amar e permanecer na luz. É isso que João introduz nesse versículo.
Ódio levando a mais trevas: “Mas aquele que aborrece a seu irmão está em trevas, e anda em trevas, e não sabe para onde deva ir; porque as trevas lhe cegaram os olhos” (2.11). Tendo no exemplo anterior falado a respeito do que ama seu irmão e as consequências disso, agora João se volta à explicação natural daquele que odeia seu irmão e suas consequências. Existem três consequências nesse caso.
A primeira consequência está na natureza de uma observação: aquele que odeia seu irmão está em trevas. A segunda é que ele anda em trevas. Isso nos mostra que é uma ação contínua inacabada. Então esse não é apenas um homem que falhou em amar seu irmão e que, por isso, não tem conhecimento de Deus, também significa que tudo o que ele faz está em trevas e é caracterizado por trevas. Em outras palavras, a pessoa está imersa em trevas, morto em transgressões. E, em terceiro João nos diz que o homem que assim procede, embora continue em sua caminhada de trevas, ele o faz sem ter o conhecimento claro de um objetivo. Ele prossegue, pois, o caminho da pessoa sem Deus é o de uma atividade sem descanso. Jesus igualmente afirmou o mesmo em outra situação “quem está em trevas não sabe para onde vai” (Jo 12.35).
O quadro que esse trecho da epístola nos passa é mais ou menos o seguinte, os homens andam em trevas, ainda que a verdadeira luz esteja brilhando, sem um objetivo, ainda que o objetivo de Deus em Cristo seja muito claro. Em outros termos, quem confessa que conheceu a Cristo, sem, contudo demonstrar em sua vida esses claros sinais que, de fato, o conheceu é comparável a um homem que em meio à luz do holofote mais potente fechou seus olhos e já não mais pode chegar ao destino desejado, porque nada enxerga, embora esteja em um ambiente iluminado. E, assim, não existe esperança para essas pessoas a não ser em Deus que pode abrir os olhos dos “cegos” e direcionar o pecador em um caminho de retidão.

3 – O Teste Teológico (o teste da verdade, da crença em Jesus) 2.18-27: o pós-modernismo dentre tantas peculiaridades que o descrevem, talvez a que mais salta aos olhos seja a questão da verdade. Quanto a isso se afirma, do ponto de vista pós-moderno, que a verdade é algo que pode significar alguma coisa para alguém enquanto nada diga a outro. Enfim, é uma relativização do conceito de algo absoluto, nada, é para sempre, pois, a qualquer momento uma nova evidência pode descaracterizar uma dessas verdades de um grupo.
Para a mentalidade pós-moderna é uma verdadeira afronta descobrir que o cristianismo, sobretudo se observado de sua expressão neotestamentária, move-se através de um conjunto de pressuposições completamente diferentes. Isso é, quando a Bíblia, escrito fundamental do cristianismo, fala em verdade descreve o que é absoluto, duradouro e mesmo eterno, e que está ligado a todos, aquilo que é verdade hoje e sempre será. E, por isso, que o cristão prega que a Bíblia contém proposições verdadeiras, que Deus é verdadeiro e que Cristo é a verdade. Nessa epístola o apóstolo afirma que conhecer a verdade é uma das evidências da nova vida proveniente de Deus dentro de cada cristão. A verdade absoluta não é subjetiva ou existencialista, pois, caso fosse o que seria dessa verdade se, por exemplo, o indivíduo que se chama “eu” não houvesse existido? A verdade absoluta consta nas Escrituras e a esta é que o cristão deve dar crédito e atenção.
Então mais uma vez João demonstra de que forma alguém que se considera cristão pode ter certeza, que realmente não tem proferido o nome de Cristo de maneira vã. A forma com que João afirma poder se realizar esse teste de veracidade cristã é levando em consideração a importância que o indivíduo concede a verdade de Deus, que fora plenamente revelada em Jesus. O verdadeiro cristão, segundo o apóstolo, acreditará que Jesus é o Deus encarnado e perseverará nessa crença até o fim de sua vida. Quem não se enquadra nessa confissão sobre a pessoa de Jesus é nomeado como um “anticristo”, que significa “aquele que está contra” ou “aquele que tomou o lugar de Cristo”, qualquer uma dessas expressões é verdadeira para descrever pessoas nessa situação. Apenas para constar, especificamente nesse contexto João não tem em mente nenhum grupo de pessoas destacadas que tomará o domínio mundial, mas pessoas que eram cristãs, todavia, abandonaram a convivência com os irmãos, ou pelo menos a confissão “ortodoxa” sobre a pessoa de Cristo, para viverem de acordo com essa crença errônea.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

I Pedro


O dualismo: encontrado nas epístolas paulinas e nos evangelhos a respeito deste século e do vindouro, não estão presentes, mas, sim, a tensão escatológica entre o presente e o futuro (já e ainda não). Pois, para Pedro, a morte de Cristo não apenas consiste em um evento cronológico, tampouco, um evento que concederá uma salvação escatológica, é, em si, o cumprimento da promessa messiânica. A glória messiânica está intrinsecamente relacionada aos sofrimentos de Cristo (1.11). A morte de Cristo planejada por Deus antes da fundação do mundo (1.20) inaugurou o fim dos tempos (1.20).

A Ressurreição de Cristo: igualmente partilha deste caráter escatológico, porque Jesus havendo ressuscitado subiu aos céus e está à direita de Deus Pai, isto é, Cristo já assumiu sua lei messiânica e está aguardando que seus inimigos sejam postos por escabelo de seus pés. No reino messiânico de Cristo existe a tão sempre presente no Novo Testamento, tensão entre o já e o ainda não.
A ressurreição de Jesus não é apenas um evento cronologicamente restrito ao passado, e, sim, um evento pelo qual aquele que crê, pode entrar em novidade de vida pela proclamação das boas novas (1.23). Logo, Pedro entende a vida cristã como o poder transformador interior de Cristo.
Ainda assim, o mundo (seu sistema) permanece mau. O diabo “anda em derredor procurando a quem possa tragar” (5.8), assim Pedro demonstra a maneira como vive o crente no mundo, a saber, aberto a perseguições e sofrimentos, por isso, a salvação também é uma questão de esperança. Esperança é uma importante palavra chave em Pedro.

Escatologia: Pedro não usa o termo “retorno” de Cristo, mas emprega por várias vezes a palavra “revelação” de Cristo ressuscitado (1.21). Com essa referência o autor remete a glória messiânica que há de se revelar e que os crentes aflitos desse mundo partilharão (5.1,10). A intenção de Pedro não é a de dar uma descrição detalhada dos fatos escatológicos, mas incentivar os crentes que sofrem a enfrentar tais agruras desta vida de maneira vitoriosa.
O contraste entre o mundo mau e o céu é ponto essencial na epístola, ainda que de maneira direta o termo mundo seja citado apenas duas vezes em 1.20 quando refere-se a criação e em 5.9 ao tratar do mundo habitado. Esse mundo mau que esta por trás do pensamento petrino é o mundo dos homens, devotos a vida de pecado (4.3), sua mente pensa na sociedade degradada e corrupta no meio da qual os homens se encontram. Os cristãos foram libertos de tudo aquilo que os pagãos anseiam (sistema) e seus amigos estão surpresos por eles não mais buscar os prazeres temporais (4.4). Assim, os crentes precisam considerar-se estrangeiros nesse mundo. A Igreja está no mundo, mas enxerga seus costumes pagãos como nocivos à vida cristã. Todavia, Pedro incentiva a submissão às autoridades do mundo (dos cidadãos ao estado 2.13,14), das esposas aos áridos (3.1) e dos escravos aos seus senhores (2.18).

Sofrimento Humano: Pedro não trata os sofrimentos ordinários da vida que todo o ser humano enfrentará, como doenças, acidentes, mas trata os sofrimentos que os cristãos apenas podem sofrer devido a sua fé. As provações (1.6), que são as acusações falsas de práticas maléficas (1.12), ou o sofrimento pode ser meramente por ser crente (4.16). Pedro alerta que não existe nada de estranho nisso (4.12), pois é exatamente o que se deve esperar de uma sociedade perversa (5.9). Ainda que algumas dessas provações sejam atribuídas a satanás (5.8) o apóstolo ressalta que não escapam a vontade de Deus (3.17), pois Deus é o justo juiz do mundo e de seu povo.
Se mesmo Cristo sofreu o que fazem a mais do que seguir o exemplo de seu mestre os cristãos quando enfrentarem essas adversidades (4.13)? Nessa perspectiva Pedro enfatiza a humildade de Cristo (2.23), o que nos remete as próprias palavras de Jesus (Mc 8.34) sobre segui-lo e carregar nossa própria cruz, isso é, partilhar dos sofrimentos de Jesus e, se preciso for, mesmo de sua morte.
Dessa forma, a resposta do crente diante do sofrimento, com essa perspectiva da epístola deveria ser não de passividade, mas de “regozijo”. Pois, dessa forma, demonstra-se que a fé é genuína, ainda que provada pelo fogo, o que realmente deve alegrar os que assim procederem (1.6,7). Pedro parece descrever que qualquer um que sofreu pelo simples motivo de ser crente, é porque já rompeu com seus antigos hábitos e vida de pecado, pois não mais participa dos males de seus amigos (4.3,4).

Cristologia: Pedro mantém uma alta cristologia mesmo que ele só a trate incidentalmente. Em seu enunciado de abertura coloca Jesus na mesma estatura com o Pai, requer uma crença em sua filiação única. Sua preocupação é mais prática do que teológica, por isso, enfatiza o relacionamento dos crentes com Cristo, seu Senhor. Pedro utiliza termos para designar Jesus, que foram usados para referir-se ao Pai no Antigo Testamento. Para que seja estabelecida a posição que Pedro designa ao Cristo, é necessária a doutrina da encarnação.

Vida Crista: Existem duas ênfases a se destacar, que Pedro faz menção em relação à vida cristã. A primeira é a firmeza do sofrimento. Na visão petrina o fato de o mundo ser uma terra estranha para o crente, automaticamente transforma o sofrimento em uma experiência normal. Logo, o sofrimento deve ser suportado de forma paciente e até mesmo com alegria, visto que desce até o crente pelas mãos de Deus. Traz consigo bênçãos, além de conceder a certeza da futura partilha da glória futura de Cristo (4.13).
A segunda é a do bom comportamento (fazer o bem que ocorre quatro vezes em Pedro 2.15,20; 3.6,17, mas não em Paulo). É claro que esse “fazer o bem” não são as boas obras do legalismo judaico, e, sim, uma conduta justa, um contraste com a pecaminosidade pagã (4.2). Este comportamento é um testemunho aos incrédulos e frustrará sua hostilidade (2.15), inclusive podendo ganha-los para Cristo (3.1). Este comportamento inclui um relacionamento justo com outros homens, a submissão as instituições estabelecidas pelo Estado (2.13,14), da família (3.1,6) e dos escravos com seus senhores (2.18). A vida cristã deve se expressar no verdadeiro amor aos irmãos (1.22) e em ternura e compassividade (1.22; 3.8).

Epístola de Tiago



Conhecida por suas exortações a respeito da questão prática cristã. Não chama a atenção por sua teologia. Inclusive, alguém já afirmou que a epístola de Tiago “não tem ‘teologia’”. E, realmente, Tiago não enfatiza temas teológicos como fazem alguns outros escritores bíblicos. A citar-se, a epístola não faz menção direta à encarnação, à cruz nem à ressurreição de Jesus. Pode mesmo que não haja menção ao Espírito Santo (discute-se Tg 4.5), poucas são as referências à nova vida em Cristo e à doutrina clara da igreja e poucas citações ao plano da salvação de Deus operado na história. O assunto de Tiago é exortação evidente, e é isso       que se deve buscar, haja vista o propósito indicado por ele em sua epístola quando de sua escrita. Ele não escreve com a finalidade de corrigir problemas doutrinários, mas para incentivar os cristãos a agir de acordo com o que acreditam, a ser “cumpridores da palavra e não somente ouvintes” (1.22). Não se descarte, todavia, que ele revela seus fundamentos teológicos e contribui com percepções distintivas para a teologia cristã.

Fé e Obras: O tópico teológico mais controverso da epístola de Tiago é sua doutrina da fé e obras, em especial, em comparação com os ensinamentos de Paulo de Romanos e Gálatas. Essa questão está explícita em Tiago 2.14-26, mas também vem à tona em outras passagens. Uma das formas que se pode analisar é que, sim, de fato, Tiago possui uma tendência judaizante, ainda que em termos, se perceba que ele da a entender que possui o que aparentemente é um certo “menosprezo” pela Lei mosaica (ao chama-la de “Lei da liberdade” Tg 1.25 e 2.12) em uma referência a superioridade do Sacrifício de Jesus ou então o pacto que o mesmo inaugurou. No entanto, essa perspectiva poderia causar a impressão, o que realmente causa, de que ao defender tal hipótese, na verdade se está desejando reconhecer que um autor “Inspirado” para a escrita do texto sagrado, sem, contudo, reconhecer que sua abordagem igualmente foi “Inspirada”, logo, podendo causar algum impasse também. Ainda por outro lado, podemos ter a visão de que a duas tradições foram construídas mais por fatores exteriores do que interiores em relação às crenças sobre a relação de Tiago com a Lei. Por um lado, não se pode negar que, sim, de fato, Tiago resistiu ao abandono da Lei (no que diz respeito aos judeus, pois, em relação aos gentios seu parecer foi bem claro em At 15), todavia, por outro, como acima citado, ele entendeu a supremacia de Cristo nas passagens que já citamos quando ele fala da Lei da liberdade.
Partindo do pressuposto que acima foi descrito, podemos ainda analisar a epístola de Tiago de outro ângulo, a saber, que de forma alguma tenha o autor tentando confrontar as afirmações paulinas a respeito da salvação e justificação, e, sim, que tenha analisado o lado prático da mesma. Ou seja, Paulo está descrevendo a causa da salvação, enquanto Tiago descreve o efeito da mesma, logo, ambos tratam da mesma questão, todavia, de diferentes aspectos.

A Natureza da Salvação na Epístola de Tiago: Ao se discorrer sobre fé e obras em Tiago, não se pode omitir a natureza da salvação constante em Tiago 2.14. Essa passagem sempre foi quase que de forma universal sempre compreendida em termos de salvação eterna, a saber, libertação da condenação pelo pecado. No entanto, mais recentemente, desenvolveu-se e debateu-se de forma acentuada uma interpretação distinta da passagem. Esse novo prisma entende que a salvação em Tiago é principalmente “a preservação da vida física” e que enfatiza “a vida temporal e a preservação dela”. Hodges argumenta que se pode perceber esse sentido em todas as referências à salvação em Tiago (1.21; 2.14; 4.12; 5.15,20). Ele compara Tiago com os livros de sabedoria do Antigo Testamento (por exemplo, Pv 10.27; 11.19; 12.28; 13.14; 19.16) na apresentação “ao lidar com os efeitos mortais da maldade e os efeitos salvadores de vida da justiça”. A fim de avaliar a percepção da salvação em Tiago de Hodges, deve-se examinar várias linhas de evidência. O uso do Novo Testamento do verbo traduzido por “salvar” em Tiago 2.14 (sõzõ) não é por si mesmo determinante, desde que ele, dependendo do contexto em que ocorre, pode se referir à libertação física ou espiritual. Por exemplo, em Tiago 5.15 usa-se a palavra para cura, ou salvamento, de alguém de doença física pela oração. No entanto, à parte dos contextos em que a doença física, ou perigo natural, estão em vista, às palavras “salvar” e “salvação” no Novo Testamento denotam, de forma predominante, libertação da condenação no inferno, e, conforme se perceberá é a melhor definição de acordo com Tiago 1.21; 2.14;4.12 e 5.20.17. Uma importante evidência a examinar é o significado da frase “salvar a vossa alma/vida” (sosai thn yuchn, sõsai tên psychên) em Tiago 1.21. Visto que essa é a primeira referência à salvação na carta e introduz temas importantes a respeito do assunto. O Novo Testamento conta com mais ou menos doze alusões a “salvar”, ou matar, ou destruir a vida. Em inúmeras passagens a frase denota salvar ou perder a vida física (Mc 3.4; Lc 6.9; nesses contextos a cura está em vista). Contudo, em outros contextos, está em vista à salvação, ou destruição, eterna da alma. Em João 12.25, por exemplo, faz junção explicitamente da permanência da alma com a vida eterna, e Mateus 10.28 adverte que Deus pode destruir tanto a alma quanto o corpo no inferno. Isso fornece a chave para a interpretação da conhecida fala de Jesus sobre salvar ou perder a (yuch) psychê de alguém (Mc 8.35; faz paralelo com Mt 16.25 e Lc 9.24): “Porque qualquer que quiser salvar a sua vida [psychê] perdê-la-á, mas qualquer que perder a sua vida por amor de mim e do evangelho, esse a salvará”. Nessa frase temos a utilização dos dois sentidos (físico e espiritual) na descrição do paradoxo de ser discípulo de Jesus. Segui-lo pode exigir martírio ou sacrifícios menores dos desejos da pessoa culminando no sacrifício supremo. O ser humano sempre briga, em face desse sacrifício, para preservar sua vida física através da negação de Jesus, mas o trágico resultado é a destruição espiritual: condenação pelo pecado. Por sua vez, a pessoa que perde a vida física por causa de Jesus e do evangelho salva sua alma espiritualmente e desfrutará de vida eterna. Essa referência à salvação espiritual aparece também em 1 Pedro 1.9, em que se afirma que “a salvação da alma” é “o fim da vossa fé”, salvação essa alcançada por meio da perseverança em face das provações e identificada, pelo contexto, como “a salvação já prestes para se revelar no último tempo” (1.5). Muitos demonstram que a teologia e as instruções éticas de Tiago são muitíssimo influenciadas pelos ensinamentos de Jesus e que sua escolha de palavras para expressá-las, com frequência, é similar à linguagem dos evangelhos sinóticos, em especial, de Mateus. Então é preferível entender a expressão “salvar a vossa alma”, em Tiago 1.21, como continuidade do sentido das palavras de Jesus de salvação espiritual.
Dessa forma, a promessa de libertação espiritual final persiste em Tiago 1.21 como a incentivadora para a perseverança em obediência à Palavra de Deus, já implantada no coração dos conversos (v. 18). O autor ressalta que nos tornemos cumpridores da Palavra, e não apenas ouvintes dela, pois apenas ouvir a Palavra é enganar a si mesmo e carecer da bênção de Deus (w. 22-25). Na verdade, falhar em viver suas convicções religiosas é claramente enganar a s mesmo, e essa religião não tem o menor valor aos olhos de Deus, por mais que a pessoa possa viver com uma aparência enorme de santidade (v. 26). A religião verdadeira é expressa pela demonstração de misericórdia por aqueles em necessidade e na não contaminação com o sistema do mundo (v. 27).
Ainda na linha de pensamento do capítulo 2, Tiago chama a atenção dos leitores de que a fé em Jesus Cristo e o favoritismo pelo rico e contra o pobre não são compatíveis. Viver o cristianismo requer amor pelo próximo, e não parcialidade. Tiago conclui com a advertência de que o julgamento de Deus será inclemente para com aqueles que não demonstram misericórdia (2.13). Essa afirmação do autor aponta para a advertência de Jesus de que, no julgamento, Deus concederá aos indivíduos o mesmo juízo que eles usaram com os outros (Mt 6.12,14,15; 18.32-35). Os que não perdoam os outros não sentiram, eles mesmos, a grande misericórdia de Deus. Em seguida, no contexto de advertir contra esse julgamento, em Tiago 2.14-26, ele discute o tipo de fé que “salva”. Isso continua o argumento de 1.21 de indicar libertação da condenação eterna pelo pecado. No capítulo 4.12 e 5.20 está em vista a salvação espiritual.

As Obras em Relação à Fé: Qual a ideia que está na mente do autor ao citar as obras que acompanham a fé? (2.14- 26), e qual é a relação delas com a fé? O texto imediato ilustra a natureza das obras como atos de compaixão pelos que estão em necessidade (vv. 15,16). A passagem de Tiago 1.27 já tratou das obras de misericórdia e de bondade como uma das evidências da verdadeira religião, e o capítulo 2.8-13 menciona a lei do amor ao próximo como o algo natural que segue a fé em Cristo (em vez do favoritismo, Tg 2.1.9). Todavia, as obras de amor e de bondade, relevantes como são, não são todas as obras que Tiago tem em mente. As citações de Abraão e Raabe (vv. 21-25) demonstram que também estão em vista atos de obediência a Deus e de comprometimento com Ele. A ilustração também inclui características cristãs fundamentais como domínio próprio, humildade e assim por diante (cf. 1.26; 3.2,13,17,18).
Todavia, conforme já foi citado em tratamento anterior deve-se observar que Tiago entende as tais obras como a expressão, ou resultado exterior, da verdadeira fé e da nova vida em Cristo, e, não o meio para adquirir essa fé. As obras são o fruto que demonstra e naturalmente segue a fé (2.18), são a complementação e realização da fé (vv. 22,23), e constituem o viver a Palavra, já inserida por Deus quando Ele deu o novo nascimento para o cristão (1.18-21).
Essa é a distinção essencial entre as obras que Tiago descreve e as de que Paulo fala em Gálatas e Romanos. Em outras palavras, a distinção é entre obras pós-conversão e anteriores a conversão, conforme anteriormente descrito. Tiago insiste que a verdadeira fé necessariamente produz obras de amor e de obediência, da mesma forma com que Jesus disse que pelo fruto se conhece a árvore (Mt 12.33). Paulo argumenta que nenhuma obra serve como fundamento para conseguir a justiça de Deus nem o favor dEle (G12.16; Rm 3.28; 10.1-8).29 Ainda assim, as duas visões são claramente compatíveis, pois, Paulo também chama ao viver santo como demonstração da verdadeira fé (Rm 6.22; G1 5.6; Ef 2.8-10; Fp 1.11),30 e Tiago, por sua vez, atribui a salvação à iniciativa graciosa de Deus na vida das pessoas, não ao mérito destas (1.17,18; 2.5,12,13).

A Justificação na Epístola de Tiago: Está em desacordo Tiago com Paulo? Vejamos a abordagem do tema na visão dos dois autores: “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei” (Rm 3.28). “Porque, se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar, mas não diante de Deus” (Rm 4.2). “Porventura Abraão, o nosso pai, não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque?” (Tg 2.21). “Vedes, então, que o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé” (Tg 2.24).
Embora pareça difícil conciliar esses versículos, já o fizemos previamente, ao menos de forma parcial, quando no tópico anterior se estabeleceu a concordância (ou pelo menos a distinção de momentos) na visão a respeito da fé e obras. A distinção entre obras antes da conversão versus obras depois da conversão é importante em relação ao assunto, o que também pode demonstrar que talvez haja outras distinções entre os dois autores. Escrevendo em termos retóricos, Paulo nega que as obras exerçam alguma influência no ato primário divino de declarar o pecador justo. Essa justificação é totalmente um dom da graça dEle para todos que creem em Jesus Cristo, à parte das obras (Rm 3.20-26). Tiago chama a atenção que as tais obras são o resultado da fé, obras essas levadas a cabo por aqueles cuja justificação inicial já foi alcançada. Em Tiago 2.21,23 mostra isso na dupla alusão à justificação de Abraão. Ele foi justificado pelas obras ao oferecer Isaque (v. 21), mas esse é o cumprimento da verdade de que Abrão já cria em Deus e de que sua fé é considerada como justiça (v. 23).

A Lei Real e a Lei da Liberdade: Em Tiago 1.25, a descrição da lei como “a lei perfeita da liberdade” revela um padrão característico na forma do autor se referir a essa lei. Nas duas primeiras alusões à lei, ele acrescenta importantes expressões para descrevê-la: “Lei perfeita da liberdade” (Tg 1.25; “lei da liberdade” também em Tg 2.12) e “lei real” (2.8). Isso demonstra que Tiago não estava pensando apenas na lei mosaica. Ele especifica ainda mais, a fim de distinguir essa lei da lei do Antigo Testamento apenas.
Parece que o que Tiago pretende com “perfeita lei da liberdade”, a “lei real” cujo foco é o amor, é que a ética do Antigo Testamento foi ensinada e cumprida por Jesus Cristo. Essa é a leitura do Antigo Testamento sob a luz do ensinamento de Jesus e culminada pela salvação que Ele proporcionou. Desse ponto de vista (e somente assim), a lei pode ser citada como paralelo à mensagem do evangelho, a palavra da verdade pela qual Deus graciosamente concede nova vida (1.17,18,21-25). E a lei da liberdade, por causa dessa conexão, pode ser mencionada como o fundamento pelo qual os cristãos serão julgados (2.11,12). O que eles conhecem da misericórdia de Deus por intermédio de Cristo deve se refletir na forma como tratam os outros (a grande verdade da verdadeira religião, e, por consequência, verdadeira lei).

Nos capítulos 2 e 4, Tiago acrescenta outro ponto relevante sobre a designada lei. Mesmo que contenha diversos mandamentos, conforme tratado por Cristo no Sermão do Monte deve ela ser vista como uma unidade. Violar mesmo que só uma mínima parte dela constitui transgressão, pois ela deve ser vista como uma unidade (2.10,11). A razão para essa unidade é a origem “capacitadora” para realização de todas suas peripécias: a mesma lei que proíbe o adultério, também proíbe matar (2.11). É muito importante que citemos que Tiago não diz que todos os detalhes do ritual da lei do Antigo Testamento devem ser seguidos, mas que a exigência ética de toda a lei de Deus, conforme sintetizada na lei do amor, e ensinada pelos lábios de Cristo para constituir a base da Nova Aliança é que deve ser vivida. Assim, demonstrar parcialidade em relação ao rico e desonrar o pobre é uma violação da lei real (estabelecida pelo Rei). Da mesma forma, cometer calúnia (uma mentira, não entra em questão o julgamento segundo a reta justiça descrito por Cristo em Jo 7.24) contra um irmão é desobedecer à lei do amor e julgar toda a lei (4.11,12).